A montanha (só) pariu um rato

A situação e a estratégia (apesar de querer ser megalómana é tão só minimalista) política do regime em Angola parece (ou é) uma autêntica tragicomédia, tal é a desfaçatez dos dirigentes transformarem o mal em bem e o errado em certo, num exercício de canibalismo económico e social. É a loucura em potência.

Por William Tonet

Mais grave é ver o absurdo trilhar as mais altas cortes do poder, com a incompetência a ter estatuto de liderança, com os néscios a alcandorarem-se ao patamar de uma suposta genialidade. O quadro é não só dantesco como preocupante, ante a resistência na implantação da visão independente e tridimensional de Montesquieu, quanto aos órgãos dos poderes; legislativo, executivo e judicial, sem que entre eles, haja um capaz de subjugar os demais.

Em Angola, século XXI, para desgraça colectiva dos povos, ainda não emergiu, tarda a emergir, uma liderança verdadeiramente comprometida com o todo nacional, sem apego ao poder e capaz de unir as lianas de descontentamento popular. Uma liderança vocacionada para servir e não, como nos acontece, para se servir.

O país está carente de um dirigente, de um líder e não de um chefe, com uma férrea vontade de governar nos marcos da democracia e com autoridade moral e ética capaz de apagar o rastilho da insatisfação geral, sempre que ele emergir. Neste momento a crise campeia, está aí, à flor da pele, sem que no horizonte se vislumbre uma linha capaz de a esbater, para bem das comunidades.

E se dúvidas houvesse (se calhar já eram poucas), elas dissiparam-se com o modelo de encontro entre João Lourenço, Presidente da República e parte da juventude, no 24 de Novembro de 2020, em Luanda, face à relutância dos extremos se atraírem.

O chefe ficou no pedestal, numa poltrona dourada, ladeado por dois comunicadores parciais, que no dia-a-dia, nas vestes de jornalistas de órgãos públicos, partidocratamente, assumidos, difundem notícias, contra a outra parte (juventude inconformada), sempre que estes condenem o “status-quo”, reclamando por mais liberdades, democracia, eleições livres, justas e regulares, bem como a diminuição da fome, miséria e desemprego.

Os jovens esperavam ouvir, no 24.11.20, e não ocorreu, um sentido, humilde e dignificante pedido de desculpas, da parte do Presidente da República, face à desproporcional violência policial, nas manifestações de 24.10 e 11.11, onde mesmo entoando o hino de viés comunista, mais um jovem, o Inocêncio N’landu foi covardemente assassinado “pelo poder popular”, numa pátria inexistente e desunida, sem liberdade, em homenagem exclusiva ao “um só povo, uma só nação”, por sinal, o povo e nação do MPLA, uma vez Angola ser composta por vários povos e duas micro-nações.

Não foi uma atitude republicana! Esperava-se, mais do que um minuto de silêncio… Esperava-se a dignidade do exemplo, o exemplo de uma dignidade inexistente.

Recorde-se ser esta frieza e indiferença ao sofrimento dos outros, que levou os jovens a esmerarem as formas de protesto, montando estado-maior, nos becos, ruas e avenidas, hasteando, bem alto as bandeiras da desigualdade extrema e indiferença governativa, face ao aperto do cinto (já sem espaço para mais apertos), que sufoca, cada vez mais, a maioria autóctone pobre, carente de humanismo governativo.

Mas, na sua petulância, o regime não entendeu, que nem sempre a força perdura nos tempos e ofusca a mente popular de tal forma, que da desgraça, emergiu uma luz, para denunciar, em todos os cantos, a excessiva e desproporcional brutalidade policial, que agiu com balas reais, disparando indiscriminadamente, contra corpos indefesos e frágeis de jovens, que defendiam um direito, constitucionalmente, consagrado: Direito de reunião e manifestação, art.º 47.º.

A indignação popular contra o Titular do Poder Executivo, nunca subiu tão alto como desta vez, parecendo, justa ou injustamente, interpretar a tese do filósofo alemão, Georg Lichtenberg: “Quando os que comandam perdem a vergonha os que obedecem perdem o respeito”.

E, realizar este encontro com o corpo de um jovem assassinado, ainda “algemado” numa morgue, por desavenças quanto a imparcialidade da autópsia não foi avisado, denunciando vínculos políticos epidemiológicos. Tanto assim é que, 24 horas depois do toque do Presidente, foram soltas as algemas, para o funeral ser realizado, no dia 28.11. Triste!

E a tristeza é maior quando o regime do MPLA só reage ou age, sob pressão da comunidade internacional, que instou o executivo a rever a política de violência policial. Uma violência espalhada nas redes sociais, pelos jovens revolucionários, atravessou os oceanos, desaguando na maioria das chancelarias dos países, comprometidos com a democracia, liberdade de manifestação e boas práticas de gestão da coisa pública.

Esta, foi, seguramente, a principal razão, a impulsionar, justificativamente, o encontro, onde se tentou, não só, limpar a imagem do Presidente João Lourenço, cada vez mais desgastada, no Ocidente, bem como afastar a tese blindada, na mente dos cidadãos, da Polícia Nacional, ser declaradamente, um apêndice do partido no poder: o MPLA.

Certa ou errada, a actuação brutal, contra os cidadãos, considerados de segunda, condena e faz aumentar o fogo da contestação e acciona o rastilho da implosão.

A falta de humildade, a arrogância e a bajulação, vide decoração, na sala, foram outros dos erros fatais, assim como o guião ter seguido, exclusivamente, a linha de pensamento do detentor do poder, quando deveria despir-se do “jus imperium”, para negociar, à luz do princípio da equidade.

À boa maneira africana, os mais velhos, são uma espécie de esponja, ouvem mais, quando reunidos com jovens, numa forma inteligente de precaução e cautela, para nunca serem tomados pelas emoções. Responder tudo e todos, na hora, não foi prudente, pois levou o Presidente da República a passar não só uma imagem de raiva, rancor, petulância, como a de estar tudo bem no seu consulado e de nenhuma reivindicação ser legítima, logo nem era preciso, ouvir os jovens, porque no país de João Lourenço (que não no dos angolanos, jovens ou velhos) tudo funciona a preceito, logo, os seus interlocutores, que vivem em bairros pobres, confundem as poças de água putrefactas com lagos reluzentes e a miséria com fartura alimentar.

Foi ruim, pois a realidade é diametralmente oposta à descrita, em muitos factos, pese em alguns, raríssimos, ter acertado e se saído bem.

Foi devido a esta arrogância e ao “tudolismo” de um país das mil maravilhas, só conhecido pelos mais fanáticos do regime, que muitos, melhor, os mais emblemáticos mobilizadores e estados-maiores das manifestações de rua, comprometidos com a luta contra a fome, miséria, democracia, fraude, ditadura e eleições autárquicas, declinaram o convite, sob alegação do Presidente, não gostar de ouvir e apenas ser exímio “incumpridor de promessas”.

E, pela forma como andou a carruagem, os jovens podem não ter ficado longe da realidade, uma vez a percepção geral dos cidadãos foi da enorme dificuldade, em se estabelecer, um diálogo sincero, enquanto o radicalismo e a arrogância, não vislumbrarem, atravessar a ponte, na busca de consensos, na lógica da humildade e cidadania. Confirmou-se, quase na totalidade, que o Presidente prefere ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica, pelo real sentir de um Povo ao qual João Lourenço deveria subir e não, como pensa, descer.

Por outro lado, João Lourenço, mesmo sendo o DDT (Dono Disto Tudo) deveria resistir a não confundir de forma petulante, Estado com o seu partido, numa apologia à eventual superioridade do MPLA, em relação aos demais, como se fosse o único fadado para governar Angola e os angolanos, mesmo diante dos erros colossais, nestes 45 anos. “Quem não consegue unir o seu próprio partido, poderá algum dia ter capacidade para unir o país? Sinceramente o Presidente João Lourenço é uma autêntica fraude, uma decepção, uma incompetência, sem preparo para dirigir os destinos da nação”, afirma Nzola Futy, da FNLA.

O dirigente, desde muito cedo ligado à UPA considerou ainda “espírito de discriminação, além de falta de honestidade intelectual, JLo negar, que o pai não era, nem teve vinculação à UPA, quando ele era pequeno. Pode ele provar? A UPA pode! Por outro lado, quererá ele dizer, que o seu pai foi da OPVDCA e da PIDE, órgãos do poder fascista e colonialista português? Nos anos 50 não havia MPLA, onde então ele participou com espírito nacionalista”?

Outra questão foi o Presidente da República ter deixado escapar, com acinte, que os jovens, talvez por experiência, os da JMPLA, às sextas-feiras e sábados, estão na discoteca a dançar, ao invés de pensarem país. Ele, diz que vai a sua fazenda, não capinar, mas ver como os súbditos capinam os seus campos, por 24 ou 48 horas. Bestial, na esquina do absurdo.

Uma das várias fazendas, por sinal, o Presidente da República, não disse aos jovens, escusou-se a fazê-lo, com que engenharia conseguiu angariar os milionários fundos financeiros, para montar o seu império empresarial, dado que os salários, honestamente, falando, nunca lhe permitiriam passar de um mero agricultor, incapaz de contratar mão-de-obra estrangeira e diversificar a produção, que vai de ovos, cereais e, agora, também, gado, muito vindo do exterior do país.

Uma vez mais a arrogância ganhou a humildade e o diálogo, ainda não foi desta vez que conseguiu unir as partes desavindas. O país não está carente de unanimismo, mas de consensos, imprescindíveis para a pacificação e harmonia das diferenças-cidadãs.

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